Na história dos povos, há usos e costumes que perduram ao longo dos tempos, transmitidos por via oral ou escrita. São traços culturais indispensáveis à compreensão de uma sociedade.
Em Vila Nova, se alguns caíram em desuso, outros resistiram aos ventos da modernidade. A maior parte é, aliás, comum a outras zonas do país, com uma ou outra adaptação.
Algumas das Lendas e Tradições da Freguesia
O “Crisma”
Muito arreigado na vizinha freguesia de Aguim, influenciou também a juventude de Vila Nova de Monsarros. A sua prática, contudo, declinou a meados da década de 40 do século passado. Espécie de rito de iniciação, nada tem a ver com o sacramento católico com o mesmo nome.
Quando um rapaz atingia a maioridade – após a inspecção militar – era levado para junto de uma grande pedra, a fim de receber o “baptismo civil”. Quatro rapazes, mais velhos e mais possantes, afastavam as pernas do neófito e batiam-lhe quatro vezes com as nádegas, usando de uma certa violência, embora de modo a não afectar as partes genitais.
Terminando o acto, o jovem – que em regra reagia – era considerado adulto. Passava a poder, livremente, circular de noite, comportamento que antes lhe estava totalmente vedado.
A proibição era levada, por vezes, a extremos: grupos de rapazes exerciam apertada vigilância e, se encontravam algum “prevaricandor”, assustavam-no e chegavam a agredi-lo, antes de o conduzir a casa. Se fosse absolutamente necessário ausentarem-se da residência, os menores tinham de obter autorização dos mais velhos, justificando o pedido. Caso encontrassem um “vigilante”, teriam de sinalizar a sua presença.
As “Pulhas”
Por altura do Carnaval, eram afixadas em locais públicos relações de casamentos fictícios da terra, que ao longo do ano se evidenciavam pela sua excentricidade ou por qualquer outro motivo, eram ridicularizadas, tornando-se “noivas”. A cada casal assim constituído eram dedicados versos jocosos e humorísticos, num tom próprio da época.
Parodiando o que aparecia nessa relação, certo ano foi feita uma representação ao vivo. Tratava-se do “casamento” do “Sete” com a “Maria Antónia”. Fernando Ferreira (“Trancas”) personificou o “Sete” e Maria do Carmo Neves a “Maria Antónia”. Realizou-se o cortejo da praxe, com os “noivos” vestidos a rigor. Para abrilhantar o cortejo, aqui e ali polvilhado de “contradanças”, veio o gaiteiro de Várzeas. Um dos participantes desempenhou o papel de padre, que celebrou o “casamento”, na tarde de Domingo Gordo.
Na tarde do dia do Entrudo, realizou-se o “divórcio”. A presidir, o “juiz”, na presença do “casal” e de testemunhas”.
O Acarretar de Carros e Velharias
Outra tradição de Carnaval. Pela calada da noite, grupos de rapazes iam a pátios esconsos, quando a maioria das pessoas já descansava, roubar carros de bois, cavalos ou burros, que transportavam para locais públicos – no caso de Vila Nova, para o largo hoje denominado Júlio José de Almeida.
Às primeiras horas de domingo Gordo, o produto do “roubo” apresentava-se aos olhos de quem passava, espantado com o tamanho e a envergadura de alguns carros.
A maior curiosidade residia no facto de alguns proprietários jurarem a pés juntos que os seus carros estariam salvo da brincadeira – uma vez que se manteriam vigilantes e atentos – , mas serem surpreendidos pelos autores da proeza. O costume, hoje praticamente perdido, só tinha, para os donos, a contrariedade de serem obrigados a recolher os seus haveres. Tarefa nada fácil, tendo em conta o emaranhado de rodas, varais, grades, etc.
A “Serração da Velha”
Ao chegar a Micareme (noite de quarta-feira da terceira semana da Quaresma), era permitido recordar o Carnaval passado, com a realização de bailes e outros folguedos. Por essa altura, tinha lugar a “Serração da Velha”.
Um grupo de rapazes deslocava-se ao ponto mais alto da Vila Nova, munido de serrote, um cortiço, um funil e um chocalho. Aí, com voz simulada e recorrendo ao funil, um dos intervenientes desfiava um rosário de situações irregulares de uma velha. Perguntava, entre outros coisas, a quem deixaria os seus bens. O seu parceiro, pelo mesmo método, respondia-lhe de maneira imprevisível.
Toda a cena era acompanhada por gritos estridentes e pelo barulho do chocalho e do serrote, em contacto com o cortiço. O ritual repetia-se até terminar o rol de velhas nesse ano escolhidas. Jamais eram mencionados os nomes das destinatárias do inquérito, mas não era difícil apurar a sua identidade.
A Queima do Judas
Costume muito antigo, ligado à tradição cristã, nem sempre se desenrolou da mesma maneira. Recordações dele foram-nos transmitidas por Fernando Ferreira (“Trancas”), que acompanhava Agostinho Neves dos Santos (“Cadeiras”), exímio na preparação do boneco que representava Judas. Tratando-se do apóstolo que traiu Jesus Cristo na última ceia, o povo, para simbolizar o castigo devido a tal pecado, em vez de o representar enforcando na fogueira, representava-o como alguém que teria de morrer de forma mais violenta.
Contava Fernando Ferreira que o boneco a queimar no sábado anterior ao Domingo de Ramos era preparado de véspera. Um tronco de madeira desbastado, de forma a representar um homem, era estrategicamente perfurado, para a introdução de detonadores. Levava meia meada de rastilho, meia dúzia de cartuchos ao rebentamento, fazia-se um sermão popular, onde se evidenciavam as maldades cometidas pelo condenado, missão que cabia ao “Cadeiras”. “Trancas” era o fogueteiro e as mulheres encarregavam-se de chorar convulsivamente. De seguida, o Judas era transportado, num padiola, até à ponte sobre o Angarna, para os lados de Além do Rio, onde se consumava a morte, através do rebentamento de petardos.
Os “Santórios”
Em tempos não muito recuados, quando se aproximava a época dos “Santos” (1 de Novembro), as crianças percorriam a aldeia de Vila Nova, a realizar “santórios”. Tratava-se de um peditório, que tinha lugar à noite, cuja “colheita” era, essencialmente constituída por frutas variadas e, até bolos.
Ao contrário do que acontecia em povoações vizinhas, cada uma das crianças transportava uma ou mais abóboras ocas, com orifícios na casca, por vezes representando rostos.
No interior das abóboras eram colocadas velas acesas, num ritual cujo significado se perdeu nos tempos. O peditório não era exclusivo de crianças oriundas de famílias mais pobres; envolvia todas.
A “Pedra da Sesta”
Esta tradição que remota, pelo que se conhece ao século XIX, desenrolava-se em torno de uma pedra grande, pesada e roliça. Era comum a muitas localidades da Bairrada, com variantes, mas caiu em desuso. Simbolizava, por assim dizer, o começo e o fim da sesta. Joaquim Duarte das Neves confirma a antiguidade da tradição, ao evocar o facto de o seu pai, nascido ainda no século XIX, a ter praticado.
Quando a Primavera despontava, comemorava-se o “inicio da sesta”. Um grupo de pessoas, em regra casadas, desenterrava um calhau do local onde fora depositado no ano anterior, por volta do dia 25 de Março, e colocava-o no centro da povoação, no Largo Central, onde permanecia até ao “fim da sesta”, por volta do dia 8 de Setembro. Normalmente, realizava-se um arraial para comemorar o acto. O trabalho de desenterrar a pedra não era muito complexo dado o número de pessoas envolvidas. No entanto, todas simulavam grande esforço, para justificar o acto de beber mais uns copos de tinto ou água-pé. A facilidade com que a bebida circulava entre os intervenientes incitava-os a repetir a dose.
Sempre que a ocasião se proporcionasse. Quando a pedra estava quase a atingir a superfície, o grupo simulava falta de forças e deixava cair de novo. Pretexto para retemperar forças pelo mesmo método. Consumada a remoção da pedra improvisava-se um discurso adequado ao acto.
Esta tradição nem sempre teve lugar no Largo Central. Anteriormente, realizara-se em Monsarros, na zona do Passal e, mais tarde, no adro da Igreja Matriz. O tempo em que o depósito da pedra passou a ser feito no largo principal coincidiu com o período áureo da já referida tradição do “Crisma”. Afinal, um simples pedregulho era a “estrela” de dois costumes singulares e divertidos.
Há cerca de meio século, a dará de realização da “Pedra da Sesta” foi antecipada para coincidir com o dia de S. José, ganhando-se mais na semana de “sesta”. Por essa altura, passou a ser escalado um “mordomo”, que se responsabilizava pela localização da pedra. Realizava-se um peditório, era contratado um “gaiteiro” e estavam reunidas as condições para, a pretexto deste costume, se realizar mais uma festa em honra de S. José. Chegaram a ser instituídos prémios pecuniários, a atribuir a quem, sozinho, conseguisse mover a pedra.
Nos últimos anos em que esta tradição foi respeitada construiu-se uma pequeníssima capela, na bifurcação de duas ruas do bairro da Eira Pedrinha, ponto de encontro do arraial do dia se S. José, para a realização do qual se efectuava um peditório a todos os indivíduos com nome de José.
Recentemente a tradição foi retomada por um grupo de dinâmicos jovens impulsionadores desta tradição.
O Madeiro do Natal
Há alguns anos, era costume, na noite de Natal, colocar no adro da Igreja Matriz um enorme tronco, que ardia durante toda a noite, consumido por uma fogueira.
À volta do madeiro de Natal, as pessoas aqueciam-se e conversavam antes do inicio da Missa do Galo, que a meia-noite marcava o arranque das celebrações natalícias.
Após a Eucaristia, muitos homens permaneciam noite dentro em torno da fogueira, entoando canções próprias da quadra. Muitos só a abandonavam quando o madeiro já não dava sinais de resistir.
Actualmente, a Missa do Galo raramente se realiza e o madeiro e uma tradição desaparecida.
As “Janeiras” e os “Reis”
Não se conhece as motivações que têm impelido sucessivas gerações a aproveitar a noite da passagem de ano e a dos Reis para, de porta em porta cantarem canções alusivas à quadra.
De um modo geral, são os mais jovens que, em grupos frequentemente muito reduzidos, mantêm vivo este costume exortando as famílias visitadas a contribuir com enchidos e, por vezes, dinheiro.
Estas datas ainda hoje são aproveitadas para angariar fundos destinados a obras de interesse colectivo. As pessoas aderem com entusiasmo, formam grupos corais e sensibilizam as famílias visitadas, para que sejam generosas nas suas dádivas. Algumas das canções natalícias, é bom sublinhar, são expressamente escritas para a ocasião.
A Matança do Porco
A matança do porco é uma tradição antiga, com métodos diferentes de região para região. Na Bairrada – e em especial em Vila Nova de Monsarros – apresenta particularidades. Pese embora o efeito causado pelo recurso às mais recentes tecnologias, ainda sobrevive aqui e ali.
Outrora o dono do suíno a abater combinava de véspera com o “matador” a hora e o pessoal necessário à execução do trabalho. A tarefa iniciava-se na pocilga, onde um dos ajudantes lançava a corda numa das pernas do porco. O animal era arrastado para a cabeçalha do carro de bois, operação por vezes difícil e só efectuada com ajuda suplementar.
Sentindo-se preso, o porco esperneava e guinchava estridentemente. O matador aproveitava o momento para lhe laçar o focinho pelo maxilar superior. Uma vez imobilizado o animal sofria um golpe pelo pescoço, estocada que lhe atingia o coração.
As mulheres, munidas de alguidares, de barro, aproveitavam o sangue que jorrava abundantemente. Num dos alguidares, onde previamente se colocava vinagre de vinho tinto com sal, era depositado o sangue, mexido com uma colher de pau, para que não coagulasse. O outro alguidar recebia o sangue que deveria coagular. A partir do primeiro, produziam-se morcelas, enquanto o segundo era cortado em cubos e cozido, pondo-se de seguida em folhas de louro ou agulha de pinheiro, para escorrer.
Enquanto na cozinha as mulheres se ocupavam deste trabalho, os homens chamuscavam o porco com caruma, para eliminar os pelos. Nesse momento, o pessoal fazia uma pausa para uma refeição, constituída pelo sangue preparado, broa e vinho tinto.
De seguida, com recurso a telha e sal, o porco era lavado, para expurgar todos os detritos. Orelhas e patas eram as zonas que mereciam maior atenção.Terminado este serviço, era colocado nas patas traseiras do animal o chambaril, peça de madeira encurvada, com pequenos rebaixamentos nas pontas. Preso a cada pata com uma corda, permitia pendurar o porco numa trave, através de um gancho, que na maioria das casas se situava na adega, a zona mais fresca. Pendurado, o porco era aberto de alto a baixo para retirada das vísceras. Para que se mantivesse aberto e mais rapidamente enxugasse, eram colocadas canas ao nível das patas. Finalmente, eram desferidos golpes no lombo, esfregando com sal.
A todo o pessoal que colaborava na matança era servida uma refeição ligeira – normalmente bacalhau com batatas e couves ou febras de porco assadas na brasa. Broa ou pão caseiro eram indispensáveis.
Só no dia seguinte o animal era esquartejado pelo matador, que separava as carnes – destinadas a rojões, enchidos e outros fins. Grandes partes da carne, conservada em sal, era depositada na salgadeira. Em algumas casas, o responsável pelo trabalho de matança era convidado para um jantar, cujo prato principal era constituído pelas iguarias do porco.
Os tempos mudaram e os métodos actualizam-se. A cabeçalha do carro de bois foi há muito substituída por tábuas inclinadas ou tripés; a chamusca com caruma por maçaricos. A lavagem é hoje efectuada através de escovas e mangueiras.
A “Desfolhada” ou “Escapadela”
Ainda hoje se realizam “escapadelas”, para evocar a tradição, embora ocasionalmente. Noutros tempos, eram os proprietários de grandes extensões de terreno na várzea, onde a principal cultura era o milho, que procediam, na altura própria às “desfolhadas”.
O milho era transportado por carros puxados por juntas de bois e as espigas depositadas em eiras, para que secassem as carpelas ainda verdes. Quando as espigas atingiam o ponto ideal, alguns dias volvidos, eram transportadas para locais mais apropriados, enormes montes onde se fazia a “escapadela”.
Como se desenrolava em tom de festa – geralmente à noite e, de preferência, ao fim-de-semana – o dono das espigas tinha o cuidado de rodear o acto das condições mínimas, para que todos os intervenientes se sentissem felizes e alegres. Mesmo nas casas mais modestas, os convidados para a desfolhada (rapazes e raparigas) tinham à sua disposição uma mesa repleta de iguarias e um pipo de vinho caseiro, para aconchegar os estômagos ao longo do serão. Em muitos casos, a noite era acompanhada por musica improvisada e culminava com um bailarico. Toda a família participava activamente na “desfolhada”.
O prazer que este trabalho proporcionava tendia a aumenta sempre que alguma das espigas apresentava grãos de cores diferentes da mais natural, amarelo claro. A descoberta desses grãos dava direito a uma “prenda” anunciada por quem presidia à “desfolhada” – abraços, beijos e, ocasionalmente outros gestos mais atrevidos. Risos, palmas e ditos picarescos acompanhavam a atitude. Ao casais de namorados presentes aguardavam, sempre com ansiedade, que lhe calhassem em sorte espigas coloridas, para poderem furtar um beijo ou um abraço, acto que, antigamente, não se fazia em público.
À espiga integralmente vermelha – milho rei – correspondia um beijo ou um abraço. As de dois grãos vermelhos, ou pretos, tinham significado diferente. Este costume desapareceu, não apenas porque a produção de milho diminuiu, mas também porque as novas tecnologias alteraram processos.
As Vindimas
Também as vindimas mudaram por completo. Tratando-se embora de um trabalho agrícola de uma certa dureza, dava grande prazer aos seus participantes.
O carinho que lhe era dispensado já não se verifica. Só em algumas regiões do Norte do país, como a do Douro, a tradição sobrevive. Em especial a componente do pisar das uvas por grupos de homens, ao som de concertinas.
O que noutros tempos, afinal não muito longínquos, nesta terra se fazia não tinha música a acompanhar, mas tinha a alegria que rapazes e raparigas emprestavam à vindima. As melhores videiras, de cachos reluzentes, eram disputadas por todos, com a intenção de mais depressa encherem os poceiros de verga. Anedotas e cantigas populares
acompanhavam o trabalho.
Os homens mais robustos, transportavam as uvas recolhidas para a dorna, firmemente presa no estrado do carro, enquanto uma parelha de possantes bois aguardava a hora de voltar ao lagar, onde os cachos eram pisados.
No final, o “rancho” de vindimadeiras, ao regressar da última vinha, empoleirava-se no carro de bois, engalanado com flores e vegetação silvestre, e cantava a pleno pulmões. Ao chegar a casa do patrão, aguardava-as um opíparo lanche, que completava o salário, entregue momento.
O “Compasso” ou “Beijar do Senhor Ressuscitado”
Porventura das tradições mais enraizadas no espírito do povo, ocorre durante a visita pascal aos lares a cargo do “juiz da Igreja” –pessoa que nesse ano, lidera o grupo de “mordomos” – acompanhado do pároco que aproveita para benzer as casas visitadas e quem nelas se encontra.
É uma tradição de natureza religiosa, realizada no Domingo de Páscoa, precisamente após a missa da Ressurreição, e que continua na segunda-feira seguinte, para poder percorrer todos os lugares da paróquia.
Está a cair em desuso em cidades e vilas de maior dimensão, mas resiste em aldeias como na freguesia de Vila Nova de Monsarros. Para população, constitui uma manifestação de fé e uma oportunidade de juntar a família em clima de festa. É uma ocasião vivida com um misto de religioso e profano, sendo difícil distinguir onde acaba um e começa o outro.
A visita pascal é antecipada pelo estralejar de foguetes. O rapaz da campainha anuncia a visita e, logo a seguir o sacerdote, o portador da cruz e os representantes dos mordomos, encarregados de recolherem a “esmola”.
As rogações e as ladainhas
Realizava-se nos três dias anteriores à quinta-feira da Ascensão. Os fiéis saíam da Igreja Matriz em procissão, até ao limite da povoação, pela EN 235, rezando e orando.
Eram percorridas, sucessivamente, as localidades de Grada, Monsarros e, por fim, Vila Nova de Monsarros.
No caso das “almas santas”. Homens de idade percorriam as casas cantado, entre outros
versos:
“Á porta das almas santas
Bate Deus a toda hora
Ajoelhemos em terra
Nós não somos os primeiros;
Em nossa companhia anda
Jesus Cristo verdadeiro”
Para tocar as “almas santas”, os mordomos iam à torre da igreja, ás primeiras horas da noite, tocar 12 baladas intervaladas, para que em cada lar se rezasse a oração do “Pai Nosso” em cada uma das badaladas.
A Bênção dos Campos
Outrora, o dia da Ascensão era sagrado para o povo, dia santo de guarda em que todos se abstinham de qualquer trabalho no campo, dedicando-se exclusivamente a manifestações religiosas.
A devoção está bem patente no adágio popular: “Se os passarinhos soubessem que era dia da Ascensão, não punham ovos no ninho nem o biquinho no chão.”
Com a primeira revisão da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sá, este dia deixou de ser santo e a sua celebração foi transferida para o domingo seguinte. A mudança não agradou ao povo, que durante muito tempo preservou a tradição.
O momento alto da festividade, que representa a ascensão de Jesus Cristo ao céu, é a Eucaristia. Em plena Primavera, os altares são revestidos de pétalas, na altura própria espalhadas sobre os fiéis. O acto simbólico a descida do espírito de Deus, prometido por Jesus Cristo aos seus apóstolos no momento da ascensão.
Finda a celebração, organiza-se a procissão que se dirige aos campos, na zona da várzea, entre cânticos e orações. Num ponto previamente estabelecido, o padre pede a protecção de Deus para as culturas que se estendem a seus olhos. O acto termina com a bênção dos terrenos, com água benta, aspergida em todas as direcções.
A “Missa do Galo” e a Noite da Consoada
Natal significa nascimento. E o dia em que se comemora representa o Natal dos natais, uma vez que evoca o nascimento de Cristo. A data de 25 de dezembro não corresponde ao dia exacto desse acontecimento histórico, que não se conhece com precisão. Trata-se da adopção pela Igreja Católica, nos alvores da sua implantação deste dia em que se celebrava uma grandiosa festa pagã.
A “Missa do Galo”, na noite de 24 para 25, teve em Vila Nova de Monsarros grande importância. Evoca a noite do nascimento do Deus Menino que, segundo a tradição, se consumou num curral, na cidade de Belém.
Provavelmente a designação desta eucaristia terá a ver com o cantar do galo, que nos alvores da manhã anuncia um novo dia. Sendo a primeira das celebrações de Natal – hoje de realização irregular – é o primeiro dia em que os fieis beijam o Deus Menino, deitado na palhas de um presépio construído com engenho e imaginação pelos zeladores da igreja.
A noite de Natal é celebrada em cada lar com o que se chama a ceia da Consoada. O prato que tradicionalmente faz as honras da mesa é o bacalhau, que em algumas casas dá lugar ao peru. As mesas são compostas por doces variados, como filhoses, passas e pinhões, além do tão apreciado bolo-rei.
Para as crianças, o mais importante eram as prendas, que o “Menino Jesus depositava no sapatinho, colocado junto à chaminé. Assim viviam, noutros tempos, este dia.
Deitando-se cedo e cedo se erguendo, para descobrirem, ansiosas, os seus presentes. A invenção do pai Natal roubou às crianças este pequeno logro. Hoje, são poucos os que acreditam que é o Menino Jesus quem oferece as prendas. O imaginário transferiu-se para esse velhinho de barbas, vestido de vermelho e branco. E a miudagem já não espera pelo dia seguinte para receber as prendas.
Ofertas ao Menino Jesus
Até há bem pouco tempo, os fiéis católicos traziam produtos agrícolas para presentear o Deus Menino, à semelhança dos Reis Magos, quando Jesus nasceu.
Entre o Natal e os Reis, o presépio instalado na Igreja Matriz enchia-se deles, para que, no final da missa, fossem leiloados. O produto da venda destinava-se a obras da paróquia. Eis outro costume que deixou de ser observado.
As “Festas das Almas”
Apesar da designação, estas manifestações não tem natureza religiosa, embora possam ter estado associadas ao Catolicismo, uma vez que se realizam junto a uma pequena capela. Supõe-se que constituem uma tradição exclusiva da Bairrada, região polvilhada de pequenos templos. A festa resume-se a um arraial, iniciado na tarde de um domingo, que se prolonga até à noite.
Muitas localidades têm a sua “Festa das Almas”. Na freguesia, a primeira tem lugar no Poço, no domingo a seguir ao de Páscoa. No primeiro domingo de maio, é a vez de Vila Nova. Em Monsarros e Grada ocorre nos domingos subsequentes e em Algeriz no primeiro domingo de junho. Uma vez que não têm relação com o espírito que supostamente as deveria enformar, passaram a denominar-se “Festa da Mocidade”.
Santo António, protector dos animais
Santo António é conhecido como o santo “casamenteiro”, o que justifica o facto de em diversas localidades do país se realizarem manifestações populares centradas na ideia dos casais jovens. É o caso das “Noivas de santo António” em Lisboa.
Também na nossa terra o apego dos jovens casais a Santo António é uma realidade. Mas, por aqui, o santo sempre esteve mais associado à condição de protector dos animais, sobretudo o porco. Daí que as pessoas guiadas por essa fé fizessem promessas a Santo António, para que os seus animais fossem protegidos de doenças. Em contrapartida, ofereciam-lhe partes do porco, em especial as patas.
Os Sermões da Quaresma
Nas missas de domingo, durante a Quaresma, o padre proferia longos sermões do alto do púlpito. Na igreja de Vila Nova, este acto era precedido de cânticos, de carácter um pouco pungente, de que encarregavam homens normalmente os mordomos, vestidos com opas vermelhas e de joelhos.
Tal tradição sofreu mudanças. Hoje, os padres fazem as suas homilias do altar, alteração determinada pelo Concilio Vaticano II. Os mordomos continuam presentes, mas os cânticos são entoados pelo grupo coral. O púlpito lá continua, agora como simples ornamento.
Os “Fiéis Defuntos”
O sentimento de perda de um ente querido deixa nas pessoas – em especial nos familiares – uma angústia e uma dor que, não sendo física, corrói a alma. Os anos passam, a dor desvanece-se e a angústia transforma-se num sentimento de saudade, que se torna mais evidente quando, ano após ano, se recordam os que já partiram.
O dia dos “Fiéis Defuntos” celebra-se no primeiro dia de novembro erradamente, porque o dia que evoca os falecidos é 2 de novembro. As pessoas aproveitam o primeiro dia desse mês por ser feriado e Dia de Todos os Santos. Deveria ser um dia de alegria, já que festejamos todos os que, durante a sua vida, foram exemplo de virtudes, de molde a serem reconhecidos como santos.
A Igreja Católica aproveita a manhã para celebrar o Dia de Todos os Santos, reservando a tarde ao Dia dos “Fiéis Defuntos”. Durante este dia, as pessoas visitam os cemitérios, transformando as campas em autênticos jardins floridos, o que juntamente com o bruxulear das velas transforma este lugar sagrado em algo irreal, dando azo ao recolhimento e ao respeito pelos restos mortais neles depositados.
Os cortejos de solidariedade
O povo de Vila Nova de Monsarros tem evidenciado, ao logo dos anos sentimentos de solidariedades e entreajuda. Sempre que esteve em jogo a necessidade de angariar verbas para obras de interesse comunitário, mostrou-se pronto a colaborar. Daí a realização de cortejos, propícios à arrecadação de fundos que, de outro modo, seriam de difícil obtenção.
Assim aconteceu quando, no segundo quartel do século XX, se realizou um cortejo, a nível concelhio, a favor do Hospital da Misericórdia de Anadia, o qual atravessava na altura grandes dificuldades financeiras. A representação da freguesia entoou a sua marcha, com letra e música de Júlio José de Almeida.
Assim voltou a acontecer com o cortejo organizado em 1942 pelo médico Nunes Vital, com o objectivo de recolher fundos para as obras da igreja e na residência paroquial, que fora construída graças à dinâmica do padre Manuel Monteiro. As verbas despendidas ultrapassaram largamente o previsto e tornou-se necessário repetir o processo.
Disso se encarregou o padre Rei, coadjuvado por um grupo de pessoas de boa vontade. O cortejo foi um êxito.
Além destes cortejos mais generalistas, outros se realizaram. Especificamente, aos chamados “cortejos dos reis”, que não tinham o intuito de angariar de fundos, mas de celebrar uma data bem marcante o dia de Reis 6 de janeiro. Nestes cortejos, entravam personagens a representar figuras bíblicas.
As crendices populares
A evolução da Ciência, por mais que se consolide no quotidiano de uma sociedade, não elimina a propensão de muita gente, em especial de zonas rurais, para crendices, superstições e mezinhas, quando enfrenta a adversidade. Descrevemos aqui algumas das mais marcantes, pela sua originalidade, embora grande parte seja comum a outras localidades da região, com pequenas variantes introduzidas pela imaginação popular.
De entre as crendices, destacamos os “responsos”, para localizar objectos perdidos, e o “mau olhado”, que desaparece com a reza do credo, enquanto se fazem cruzes com as mãos.
Em tempos, recorria-se a alecrim, benzido no Dia de Ramos, para afastar as trovoadas mais violentas.
Na massa destinada a broa ou bolo, para que não levedasse, fazia-se uma cruz, acompanhada de uma “reza”: “S. Mamede te levede, S. Vicente te acrescente e o Senhor te ponha a virtude, que de minha parte fiz tudo o que pude”.
Em Caso de visitas indesejáveis, colocava-se atrás da porta uma tripeça ou uma vassoura de pernas para o ar. Para afastar o “mau olhado” dos animais, pregava-se uma ferradura de cavalo ou boi na porta do curral ou nas carroças.
As superstições são variadas – e, porventura, ainda muito arreigadas em diversos pontos do país. É um sinal partir um espelho; colocar moedas em cima da mesa onde se come; ver um gato preto ou matá-lo, entornar leite.
Para as moléstias que afligem o corpo, havia sempre uma “menzinha milagrosa”. Se a “espinhela” ou “buxo caído”, se curava com “rezas” apropriadas, já outros males exigem produtos naturais extraídos da terra. Para afastar, por exemplo a tosse persistente inalava-se folhas de eucalipto ou defumadoiros, mas sempre à meia noite. Linhaça, polvilhada com mostarda (os célebres “sanapismo”) servia para avaliar pneumonias e dores peitorais ou das costas. A muitos outros”remédios” a base de plantas poderíamos aludir: água de malvas, para lavar feridas, folhas de urtigas para esfregar onde reumatismo mais dores causava; pêras de piteira assadas para curar frieiras.
Relógio de Sol de Pedra
Referência a um costume da aldeia de Parada, que remonta a uma época em que o uso de relógios era muito raro. A população servia-se de um pequeno relógio de sol em pedra, estrategicamente colocado na parede de uma casa, para orientar as actividades agrícolas, em especial a rega. Quando o sol incidia no relógio, a sombra marcava a hora, indicando ao agricultor o momento exacto em que deveria iniciar a rega, que terminava quando o ponteiro marcava o início do período reservado ao utente seguinte.